20 de março de 2014

O Manifesto da Vergonha

             
              Era uma tarde comum de terça-feira. O sol não se decidia se ficava no céu ou deixava espaço para algumas nuvens que passavam manhosas por seu caminho. O homem andava no meio do turbilhão de pessoas pelo calçadão no horário do almoço. Somado ao alvoroço já comum daquele horário o homem notou uma junção gigantesca de pessoas mais a frente. Apesar do pouco tempo que tinha para o almoço a curiosidade venceu a sua habitual racionalidade. Seguiu em frente para ver do que se tratava.
           Um agrupamento de jovens se manifestava. Pelo que notou a princípio parecia se tratar de algo como aumento de passagens de ônibus, ou algo do gênero. Aquilo já parecia comum naquela época. Ficou algum tempo parado ali olhando e pensando na vida. Perdido em lembranças e devaneios. No meio daquela turba avistou um garoto jovem. Devia ter por volta de 18 anos e gritava com força aos quatro ventos palavras de ordem e pedidos por mudança. Parecia trajado da própria ideologia e não tinha medo de demonstrar aquilo.
          O garoto notou aquele homem que parecia meio perdido em meio àquele contexto. Olhando abismado para uma situação que parecia já ser corriqueira. Olhando com olhos que pareciam conter um misto de estranheza e identificação.
                E ali estava aquela dicotomia, pareada pelo tempo e pelo espaço. Um garoto de 18 anos vestindo jeans rasgados, camisa de flanela e cara pintada. Um homem adulto, vestindo terno e gravata, uma pasta de couro e uma coleira invisível no pescoço. E o homem pensava, e lembrava de dias diferentes. Dias em que acreditava mais, vivia mais, pensava mais. O homem sentiu uma semelhança imensa daquele garoto com seus dias de juventude, e assim sendo viu o quanto as coisas haviam mudado. O garoto olhou para o homem com um olhar de esperança, como se aquele homem fosse ali mesmo arrancar a gravata e se juntar à passeata que pensava em todos. Que aquele homem ia esquecer da necessidade criada por ele mesmo de ganhar mais e mais para si, muitas vezes sem nem mesmo trabalhar o suficiente para aquilo.
             E aquele garoto pensava, olhando aquilo, como alguém se deixava levar por aquele caminho? Como alguém podia entregar sua liberdade e sua criatividade? Como alguém podia se vender por algo tão pouco valioso como dinheiro? E nesse momento o homem pensava como aquele garoto podia ter aquela coragem, de não ligar pra absolutamente nada a não ser suas próprias ideias e vontades. E o homem pensava em que momento tudo havia se tornado tão diferente. Aonde em meio ao caminho tinha ficado tudo aquilo que fazia dele, ele mesmo.
              Cruzaram olhar, e um segundo depois a marcha continuou, com o garoto bradando a verdade aos quatro ventos. O homem estancou, pegou sua pasta escorada em sua perna, no chão, e seguiu seu caminho para o almoço. Um era a ideologia em pessoa, o outro um avatar da vergonha e desapontamento.