18 de julho de 2012

“A beleza das coisas está no fato de terminarem.”



            Mais de um ano já havia se passado sem que James voltasse à cabana dos amigos. Muitas coisas haviam mudado, mas no geral sempre esperava encontrar Sean e Sam por lá. Talvez Estella aparecesse, ou Paul com a esposa no fim de semana. James sempre gostava das ocasiões em que podia estar junto dos filhos de Paul, já que aproveitava bastante da companhia das crianças.
            No ano que havia se passado James se dedicou mais e mais à escrita e acabou se isolando um pouco na cidade, em seu velho apartamento. A última visita à cabana havia sido no casamento de Miranda e Lee. Uma reunião simples entre amigos na qual James fez questão de estar presente a fim de parabenizar ambos. Lee se tornara um grande amigo e um grande mentor. Era um homem um pouco mais velho, com boa experiência de vida e uma paciência incrível para conversas longas. James e Sam o viam como um grande guru. Queria também participar desse momento com Miranda, com quem se relacionou por algum tempo e ainda mantinha um enorme afeto quase fraterno. Primeiramente a reunião dos amigos foi com uma pequena cerimonia que lembrava os costumes dos índios Lakota, dos quais Lee possui sangue. Após tudo aconteceu com maior descontração enquanto o casal conversava com os amigos tentando dar atenção a todos que estavam por lá. James e Sam gostaram muito das conversas. Nessa ocasião Evelyn não mais apareceu, como James imaginava que aconteceria. De fato ela havia ido embora de uma vez por todas. Dentre os amigos foi a única falta. Todos os outros estavam lá, Paul, Nancy, os filhos, Estella, e Lucy, que viera ficar mais um tempo na cabana. Parecia estar se acostumando com aquela vida e finalmente voltando a ser a Lucy dos velhos tempos. Isso fez com que uma grande felicidade somasse no interior de James.
            Agora, pouco mais de um ano mais tarde James estava de volta e esperava reencontrar os amigos. Logo de cara viu Sam em sua canoa, no meio do lago. Não fazia movimento algum, apenas segurava a vara de pescar e mantinha o dedo preso na linha à espera de algum movimento. Vendo o amigo concentrado, James deu um grito alto:
            – E aí, já pegou o suficiente para o almoço?!
            Sam pareceu despertar de súbito. Olhou em direção a beira d’água e abriu um grande sorriso. Assim fez o caminho remando de volta à margem.
            – Bom ver você meu amigo, quanto tempo. Como tem passado? – inquiriu Sam ao sair da canoa.
            – Vou bem, vou bem. Tentando escrever sempre mais. Estou com alguns planos de uma edição na Europa, só falta acertar tudo com meu agente de lá.
            – Bom saber, muito bom mesmo. E então já encontrou com o Sean ou a Lucy?
            – Ainda não, ela ainda está por aqui? Que maravilha!
            – Pois é. Mas é bom então que eu tenha encontrado você. Sabe, a Lucy tem cada vez mais se assemelhado àquela que conhecemos na faculdade. Voltou a passar muito tempo com o Sean, e consequentemente. Bem, eu sei sobre seus sentimentos fortes por ela, então acho que é bom que saiba já que eles estão juntos. Sabe, pra você não se assustar.
            James por alguns segundos, mas logo voltou à sua calma habitual. Aquilo não era algo pelo qual esperava, mas tudo bem, as coisas são assim na vida. Se lembrou então de uma passagem de um belo poema de Pablo Neruda, apenas recitou ele:

Si consideras largo y loco
el viento de banderas
que pasa por mi vida
y te decides
a dejarme a la orilla
del corazón en que tengo raíces,
piensa
que en ese día,
a esa hora
levantaré los brazos
y saldrán mis raíces
a buscar otra tierra.


              Sam abriu um sorriso largo e abraçou o amigo.

***
            A recepção por parte de Sean e Lucy fora igualmente amigável. Sorrisos, perguntas sobre a vida, uma surpresa um pouco fingida por parte de James e, por fim, um vácuo de ligação que fez com que ficassem alguns minutos quietos, apenas bicando o café quente das canecas em cima da mesa de madeira.
            Noite adentro mais pessoas surgiram e as conversas giraram. James encontrava-se deitado numa rede entre dois pinheiros ainda jovens que eram perfeitamente parelhos. Dava goles pequenos em seu chá enquanto vislumbrava a cena que ocorria de conversas, música, dança e inspiração. Lucy se aproximou silenciosamente, do jeito que sempre fizera, como uma loba branca que se camufla no gelo a fim de surpreender sua presa.
            – E então, estranho, quanto tempo na cidade grande.
            – Lucy in the sky, nem vi você  se aproximar.
            Lucy deu um sorriso largo e os olhos azuis brilharam à luz do fogo que queimava próximo – Que bom que voltou, pretende ficar quanto tempo?
            – Ainda não sei, talvez pouco, estou pensando na possibilidade de lançar algo no mercado europeu.
            – Nossa, que bom. Parece que as coisas se acertaram então?
            – É, acho que finalmente emplaquei algo, os editores daqui gostaram.
            Um silêncio curto se fez enquanto ambos olhavam um para o outro. James o quebrou:
            – Então, você e Sean.
            – Pois é, que doido não?
            – Talvez surpreendente, mas não doido. O Sempre teve jeito com o sexo feminino.
            – É, acho que me conquistou, não sei ainda como tudo se conformou. As vezes tenho medo que isso seja só escapismo sentimental, que eu tenha me apaixonado só pelo único cara que tinha junto de mim no momento.
            – É um risco que se corre sempre.
            – É. – respondeu ela laconicamente, mas logo emendou – Mas e você, nenhuma senhora Kindel esperando em Nova York?
            James apenas deu uma gargalhada. Desse modo descontraído a conversa continuou através da noite.
***
            No outro dia, antes mesmo que o sol tivesse chance de começar a esquentar o globo, James arrumou suas coisas e rumou para Nova York. Havia conseguido o que buscara por tanto tempo na cabana. Era hora de mudar algumas coisas. A viagem foi curta até sua casa. Em duas semanas havia acertado todos os detalhes com seu editor na Europa, era hora de partir, como fizera Evelyn há quase dois anos atrás. Parafraseando Kerouac, “A beleza das coisas está no fato de terminarem”. Uma hora o peão precisa parar de rodar.
            Não olhou para o que deixava, na verdade sentia que nada do que ficava era ou já havia sido seu. Nada nem ninguém. Era hora de trilhar novas estradas e traças novos caminhos.

João Carlos Radünz Neto - Porto Alegre, 18 de julho de 2012